sábado, 23 de maio de 2009

DISTÚRBIOS DA MOTRICIDADE ORAL

Irene Queiroz Marchesan

A comunicação, seja oral, escrita ou gestual, é fundamental para o ser humano. Em geral, os fonoaudiólogos estudam e se preocupam mais com as alterações que afetam a linguagem. No entanto, algumas alterações da comunicação oral são originadas por problemas específicos nas estruturas orais. Estas modificações podem ser geradas por problemas anatômicos ou funcionais alterando, por exemplo, o ato motor da fala ou a Função de deglutição. Neste capítulo, iremos nos ater a problemas que afetam os órgãos fono articulatórios interferindo na comunicação e, consequentemente, na vida do indivíduo. As alterações anatômicas e ou funcionais do sistema sensório motor oral podem afetar diretamente a fala e outras funções orais, como a mastigação e a deglutição.
Alguns fonoaudiólogos, por trabalharem com problemas da motricidade oral ligados à odontologia, aprenderam a reconhecer aspectos de normalidade e alterações dos dentes, além de aprofundarem conhecimentos sobre mastigação e deglutição. O trabalho nesta área se desenvolveu mais com crianças e adolescentes, usando aparatologia móvel, ou fixa, para correção dos dentes ou apresentando problemas para se alimentarem corretamente.
Curiosamente, nos últimos dez anos, além das crianças e adolescentes, adultos portadores de próteses mal ajustadas, ou com problemas periodontais, começaram a ser enviados aos consultórios fonoaudiológicos. Outro fato que chama a atenção é que também cresceu a demanda de pacientes com dificuldades para deglutir, não só enviados por dentistas, mas também por médicos. Em geral, estes adultos são os que apresentam riscos de aspiração. Adultos normais, que apenas gostariam de falar melhor, também têm buscado mais freqüentemente, até por conta própria, os serviços de fonoaudiologia. Isto significa que a clientela dos fonoaudiólogos na área da motricidade oral aumentou e diversificou.
Isto acabou exigindo, por parte destes profissionais, uma busca de soluções para a diversidade de problemas com que se defrontaram. Consequentemente, o conhecimento e a maturidade na área da motricidade oral aumentou muito.
Os dentistas, ao enviarem seus pacientes, estão preocupados com relação ao posicionamento e funcionamento dos órgãos fono articulatórios, como língua e lábios.
Acredita-se que a oclusão, ou os problemas periodontais, podem piorar quando estas estruturas não estão funcionando adequadamente.
Os médicos, por sua vez, ao detectarem doenças degenerativas acompanhadas de alterações de voz, deglutição, ou fala, encaminham ao fonoaudiólogo para que este faça a
reabilitação.
O aumento de número de pacientes adultos fez com que o fonoaudiólogo estudasse mais quais eram as causas das queixas, compreendendo melhor a natureza dos problemas, facilitando assim os tratamentos. Estes estudos ampliaram os conhecimentos, em primeiro lugar, com relação aos dentes. Compreende-se o desenvolvimento oclusal, quais as modificações normais ocorridas com a idade, e o que pode ser considerado alteração. Aprofunda-se, também, os conhecimentos a respeito das funções orais, principalmente com relação ao desenvolvimento normal e as modificações esperadas para o envelhecimento, delimitando, assim, o normal e o patológico. As funções orais mais estudadas, nesta última década, foram a mastigação, a deglutição, a fala e suas inter-relações. Observa-se que alterações nos dentes levam a modificações, ou mesmo a alterações, nas funções de mastigar, deglutir e falar. A compreensão sobre o que são próteses dentárias e implantes passou a ser fundamental para que se possa avaliar e tratar estes indivíduos.
Os estudos acerca dos fatores que alteram a deglutição permitem, suspeitar de que há uma doença em curso quando o paciente apresenta alteração de deglutição. Hoje, através do diagnóstico fonoaudiológico, diferencia-se alterações de deglutição decorrentes da idade ou provenientes de doenças degenerativas, por exemplo.
Para compreendermos melhor os problemas de indivíduos com distúrbios da comunicação causados por alterações na motricidade oral, assim como o papel do fonoaudiólogo ao tratar destes pacientes, exemplificaremos fazendo recortes de algumas anamneses e exames realizados entre os anos de 1987 e 1997.

Paciente (P) n.º 1: Mulher, 68 anos de idade, com a queixa de falar com dificuldade. Havia sido encaminhada para verificar se o fato de ela estar falando com dificuldade tinha relação com os dentes. O problema já se apresentava há mais ou menos um ano e meio. Havia ido em mais de um médico, e também ao dentista, não tendo sido detectado nenhum problema. Mas ela observava que estava piorando, e estava se tornando difícil conversar. A queixa era de que a boca parecia que ficava meio dura. A amiga, que veio junto para a entrevista, pode confirmar que, de fato, a fala havia mudado. As pessoas diziam que a piora na fala era devido ao envelhecimento. A paciente dizia que, apesar da idade, não se sentia tão velha assim para estar falando com tanta dificuldade. Conversamos sobre seu trabalho, sua aposentadoria, e o que fazia no momento atual. Continuamos indagando sobre possíveis doenças e seus tratamentos, além de fatos que pudessem interferir na fala de alguma forma. A paciente contou diversos episódios de sua vida e, dentre eles, que havia sofrido um sério acidente de carro, resultando na morte de pessoas queridas. Após este acidente, houve um período de depressão, razão pela qual ela passou a tomar antidepressivos. Este fato havia ocorrido há três anos. Não parecia estar mais deprimida, mas continuava tomando o medicamento. Durante o exame, observamos que ela usava uma prótese fixa parcial, razoavelmente adaptada e que, a dificuldade com a fala nos pareceu basicamente, relacionada à diminuição da quantidade de saliva. Antidepressivos podem interferir na produção da saliva. De fato, isto se confirmou e, após uma conversa com o médico, ele começou a reduzir a quantidade de medicamento até a completa retirada do mesmo, sendo
que então o problema foi resolvido. O caso não foi complicado, mas as declarações desta paciente me impressionaram bastante.

P: Eu era uma mulher com muita energia, que saia sempre com minhas amigas, que jogava buraco três vezes por semana. Durante o jogo, eu e minhas amigas conversávamos bastante. Fui professora durante toda a vida tendo falado muito e trabalhado até depois da minha aposentadoria e, hoje, não presto para mais nada. Vou falar e minha boca fica dura, faço uns estalos esquisitos durante a conversa. As pessoas ficam me olhando com uma cara estranha como se, além de não me entenderem direito, tivessem pena de mim. Eu fico cansada de falar. Não tenho mais agilidade na conversa. Às vezes, estou empolgada participando de um assunto, quero dar palpites, mas sinto que atrapalho pois demoro muito e a boca fica assim, meio que grudando. Será que se eu mudar de dentista, ou talvez de dentes. Quem sabe uma dentadura resolve? Afinal, você acha que isto vai sarar? A senhora é a minha última esperança.
Apesar de constatarmos um grande sofrimento desta pessoa, observamos seus interlocutores tratando deste pequeno drama como se fosse apenas um problema de velhice e, assim sendo, ninguém lhe deu muita atenção, ficando como algo natural. Percebemos que nenhum grande esforço havia sido feito, para detectar causas possíveis da mudança de sua fala.

P n.º 2: Mulher, 62 anos encaminhada por um dentista porque a fala estava ficando atrapalhada, o que havia ocorrido logo após a troca de prótese superior. No início, o dentista disse que era uma questão de “acostumar” e que, em breve, isto estaria resolvido. Após seis meses, a paciente não só não havia acostumado, como havia piorado. Foi encaminhada para nosso serviço de fonoaudiologia. Veio acompanhada do marido, que permaneceu todo o tempo junto. Dentre as provas aplicadas, solicitei que falasse com e sem a prótese para que tivéssemos uma comparação se a fala se modificaria nestas duas situações. A fala, com e sem a prótese, não se modificou. A prova foi simples dando-nos pistas que nos levaram a outros procedimentos para a identificação da causa. Observamos que, além da fala, a voz também se modificara ficando mais grave. Além disto, a deglutição estava ocorrendo com maior dificuldade e nos últimos meses, apareceram engasgos freqüentes. O marido, que era muito presente em sua vida pode detalhar aspectos de sua alimentação, confirmando os dados da esposa. A suspeita recaiu sobre algum problema
neuromotor específico. Vale lembrar que a linguagem da paciente estava normal. Frente aos achados clínicos, ela foi encaminhada para um neurologista. Infelizmente, os dentistas, assim como muitos fonoaudiólogos, não estão preparados para identificar casos como estes. Um outro problema é que existe uma tendência de não se valorizar as queixas quando são colocadas novas próteses; espera-se que haja um ajuste “da boca à prótese”. Esta senhora tinha esclerose lateral amiotrófica, doença que a levou à morte em um ano e meio. Apesar desta doença não ter cura, como ela foi diagnosticada precocemente pelo fonoaudiólogo, houve a possibilidade de se orientar a paciente em relação à sua alimentação o que permitiu-lhe permanecer sem a sonda de alimentação por mais tempo desfrutando, desta forma, da companhia de sua família durante as refeições até praticamente dois meses antes de sua morte.

P. n.º 3: Mulher de 43 anos, com a queixa de não poder tomar café após as refeições, principalmente em restaurantes quando estava acompanhada do marido. A causa de não poder tomar café era que fazia ruído quando engolia e o marido não gostava. Pode nos parecer absurdamente estranha, ou mesmo ridícula tal queixa, mas isto era de tal importância para ambos que a paciente chegou até nós absolutamente constrangida e aborrecida por este fato. E acima de tudo, estava muito aflita para saber se havia ou não uma solução. Vale lembrar que no ato de deglutir, quando passamos da fase oral para a fase faríngea, temos a ondulação da língua de frente para trás carregando o bolo alimentar. Quando esta paciente tomava café quente, o dorso se elevava com maior força e por mais tempo, protegendo a entrada da faringe. Este movimento de elevação, acabava produzindo um ruído forte, sendo desagradável para o casal. Ensinamos a paciente a diminuir a força do dorso da língua e o ruído desapareceu. A terapia durou apenas dois meses e o casal ficou feliz.

P. n.º 4: Homem, com 66 anos. Queixa principal: não poder comer mais empadinha. Quando as comia, engasgava muito. Isto o entristeceu bastante, pois adorava empadas. Perguntou-me se eu conseguiria tornar-lhe possível comer empadas com segurança. Ensinamos a ele como se dá o ato da deglutição normal mostrando-lhe que muitas mudanças fisiológicas e musculares naturais ocorrem com a idade e, por isso, temos que modificar algumas ações ao deglutir determinados alimentos para evitar o engasgo. No caso da empada, que é um alimento muito seco e farinhento, precisamos de mais saliva para que o bolo alimentar se torne coeso. Com o avanço da idade, temos menor produção de saliva. Além da menor produção de saliva, a coordenação motora se lentifica e a propriocepção diminui. Comer alimentos muito farinhentos, colocando quantidades maiores na boca, dificultará a preparação de um bolo adequado levando ao engasgo. Como orientação terapêutica, passamos a quebrar a empada em partes menores, entre uma e outra mordida, diminuímos a velocidade de entrada do alimento, fazíamos uma deglutição a mais no
término de cada mordida para evitar restos alimentares em valécula ou seios piriformes e, finalmente, introduzimos pequenas quantidades de líquido durante a mastigação quando necessário, para umedecer melhor o alimento. É claro que comer desta forma, fica inicialmente, um pouco artificial pois temos que prestar muita atenção. O ato de comer torna-se totalmente consciente e, por isso, parece artificial. Mas, depois que se adquire prática, o comer empadas, para nosso aflito paciente, ficou novamente agradável e, após aprendido, este processo volta a tornar-se inconsciente.

P. n.º 5: Mulher, 54 anos, balconista de uma loja de shopping. Queixa: possibilidade de perder o emprego pois, quando falava expelia saliva, além de apresentar ceceio anterior (projeção de língua entre os dentes anteriores). O dono da loja entendeu que não seria interessante, para seu negócio, manter um funcionário que “cuspisse” nos clientes. A partir da ameaça de perder o emprego, ela passou a falar com a boca mais fechada, evitando a saída da língua e da saliva. Esta técnica, empregada intuitivamente por ela, fez com que sua fala ficasse imprecisa e que perdesse a naturalidade nas vendas. A pergunta era: se antes ela falava bem, o que a havia levado a este problema? A partir da anamnese soubemos que, meses antes, procurando melhorar sua estética, a paciente procurou um dentista que colocou um aparelho expansor superior móvel. Este aparelho, aparentemente, criou um desequilíbrio oclusal abrindo sua mordida anteriormente. Esta abertura anterior fez com que a língua escapasse com grande facilidade e o controle da saliva ficasse mais difícil. Não entrando no mérito do trabalho e técnicas ortodônticas utilizadas, uma vez que não somos dentistas, gostaríamos de discutir, apenas o modo como alterações de fala podem surgir, até a partir da colocação de aparelhos dentários. Hoje em dia, cada vez é mais comum adultos, e mesmo idosos, utilizarem estes aparelhos, na tentativa de resolução de antigos problemas. O importante é que o profissional solicitado a melhorar a fala do paciente compreenda os objetivos dos diferentes tipos de aparelho, ou entre em contato com o dentista para saber o que está acontecendo, e se isto é esperado ou não. Ou mesmo, quanto tempo o paciente ficará daquele jeito. Se a comunicação com o dentista é difícil, sugerimos que se criem condições para que o paciente vá, progressivamente, adaptando-se às mudanças, alterando o
mínimo possível a fala. Sugerimos, ainda, que o paciente procure informar-se sobre o que está ocorrendo, descobrindo se aquela situação em que se encontra, é temporária ou definitiva. No caso específico desta senhora, após uma conversa com o dentista, houve uma modificação na aparatologia utilizada, o que diminuiu sensivelmente o problema. Conversamos, ainda, com o dono da loja mostrando as vantagens da utilização do aparelho e, como a sua funcionária, ao investir na aparência, estava melhorando o próprio nível da loja. Tudo seria uma questão de tempo. O papel do fonoaudiólogo, neste caso, não foi, inicialmente, de interferir diretamente na fala mas sim, compreender o que era ou não possível fazer e ter uma atuação precisa junto ao dentista e ao proprietário da loja. Em seguida, foi trabalhado com a paciente certos posicionamentos da língua a fim de adaptá-la às modificações ortodônticas realizadas. Isto fez com que, a partir da compreensão e conhecimento do processo mecânico da fala, a paciente pudesse ter um melhor controle de sua pronúncia e da saliva.

P. n.º 6: Homem, com 57 anos, divorciado, indo para o segundo casamento com uma mulher de 35 anos. Queixa: ronco e baba noturna. Como casar, se roncava e babava? Não queria que isto ocorresse na frente da nova esposa. Para ele, isto poderia interferir no seu novo casamento. Uma preocupação aparentemente tola. Mas, se estivéssemos casando aos 57 anos de idade, com alguém mais novo, provavelmente teríamos muitas preocupações no sentido de melhorarmos nossa performance em todos os sentidos. Caso simples. Encaminhado ao otorrinolaringologista, diagnosticou-se que ele roncava sem apnéia noturna. Orientamos o paciente para que emagrecesse um pouco, não comesse e nem bebesse em demasia antes de dormir. Também deveria mudar sua posição habitual na cama que era de barriga para cima e passasse a dormir de lado. Finalmente, fizemos um trabalho de selamento labial e fortalecimento das estruturas posteriores, através de exercícios de tonificação. O interessante é que, na iminência de um casamento muito desejado, todas as determinações foram cumpridas. Ou seja, muitas vezes nossas orientações, isoladamente, têm pouco valor se não temos um forte aliado, que é o desejo de cada um, de mudar.

P. n.º 7: Homem, de 49 anos, alto cargo em um banco estatal. Sua queixa era que, após ter se submetido a um implante total superior, passou a falar bastante assobiado. Dentre as suas atividades, dirigia muitas reuniões, inclusive internacionais, tendo que falar bastante e se expor muito. Ele nos contou que seu rendimento nestas reuniões havia diminuido muito, pois todos ficavam olhando sua nova forma de falar, tentando compreender o que ele fazia, que assobiava tanto. Já havia até ganho um apelido. Para controlar os problemas adquiridos, ele passou a fazer apresentações usando mais o flipper charter, falando de costas para o público e escrevendo muito enquanto falava. No entanto, o falar de costas, causou um novo problema: fez com que ele perdesse o controle do que estava acontecendo na sala. Uma outra medida, para diminuir os assobios durante a fala, foi contrair o orbicular do lábio superior (músculo que fecha a boca) sobre os dentes por onde o ar escapava. Isto fazia com que o controle de saída do ar fosse razoável, mas ele ficava o tempo todo contraído, fazendo uma espécie de careta ao falar. Chegou até nós indicado pelo seu dentista que havia dado por encerrado o trabalho odontológico, dizendo que o problema da fala seria solucionado pelo fonoaudiólogo. Ao examiná-lo, observei que os dentes estavam lindos, muito bem alinhados e sem espaços entre si. No entanto, se elevássemos seu lábio superior, poderíamos ver, sem dificuldade, cada um dos pinos que segurava cada dente, deixando um espaçamento entre um e outro. Por este espaço tínhamos a saída do ar durante a fala. O lábio superior balançava como uma cortina ao vento durante a fala. De fato, era bastante
estranho e toda nossa atenção, ficava voltada para este fenômeno, fazendo com que nos esquecêssemos do conteúdo da conversa. Quando o paciente tentava controlar o movimento
do lábio superior, contraindo-o fortemente contra os dentes, o ruído de saída do ar diminuía, mas a boca tornava-se muito tensa e sem os movimentos naturais utilizados na fala. Parecia uma máscara. Este caso foi muito difícil pois, na verdade, o meu trabalho era totalmente dependente de um novo trabalho do dentista uma vez que eu não tinha como corrigir os espaçamentos entre os pinos. O problema anatômico era importante, e a função estava alterada por isso. Como dizer ao paciente, e, principalmente ao dentista, que a fonoaudiologia tinha pouco a fazer naquele caso? O diagnóstico sempre é fundamental. Neste caso, o diagnóstico e prognóstico tornam-se difíceis de serem expostos. Ao invés de trabalhar imediatamente na tentativa de corrigir o problema de fala temos, que mostrar, com muito tato para com o paciente, que ocorreu um problema com o tratamento dos dentes, sendo que a fala estará irremediavelmente comprometida se não houver a correção dos espaços encontrados. É bom lembrar que o dentista, por sua vez, afirmava que o trabalho fora finalizado e o problema atual era de competência do fonoaudiólogo. Podemos iniciar trabalhando com a conscientização do paciente, de como é que acontecem os sons da fala e quais são as possibilidades que ele possui, a partir daquela forma atual. O próprio paciente vai chegando nos limites daquilo que é possível para ele, compreendendo os por quês das falhas e buscando outras alternativas para possíveis melhoras.

P. n.º 8: Homem de 45 anos, excelente vendedor durante toda a vida e na iminência de perder o emprego por estar falando mal. Isto havia começado após a colocação de prótese total superior e inferior. O medo de que a prótese caísse durante a comunicação fez com que ele falasse mais devagar. Muitas vezes, após a colocação da prótese, observamos uma diminuição dos movimentos naturais mais amplos de mandíbula durante a fala, o que faz com que diminua a precisão dos pontos articulatórios. No tipo de venda que ele trabalhava era imprescindível que falasse rápido pois o cliente deveria comprar por impulso, não lhe sendo dado tempo para pensar e dizer não. Todas as vezes que colocamos uma prótese, seja parcial ou total, sempre há modificações na forma de comer e de falar. Porém, estas modificações vão sendo esquecidas com o tempo de uso. O pior de tudo é que, todos, incluindo o usuário, se acostumam com as mudanças ocasionadas pela introdução da prótese e, mesmo que estas mudanças piorem a forma de falar, ou de comer, são tomadas como inevitáveis e, de qualquer forma, é melhor do que ficar sem dentes. Não passa pela cabeça do usuário, ou do profissional que coloca a prótese que, se a daptação fosse melhor ou se ocorressem explicações, ou mesmo treino, sobre o uso da mesma, poderíamos ter funções mais adequadas diminuindo os problemas encontrados, principalmente na fala e na alimentação. Orientando o paciente a respeito de como falar com a prótese. Solicitamos, ainda, que fossem realizados ajustes na prótese em questão, aumentando a sua fixação na cavidade oral e, consequentemente, a confiança do paciente durante a fala em suas vendas.

P. n.º 9: Mulher, de 61 anos, com a queixa de estar falando mal nas situações de comunicação na igreja aonde auxiliava o padre nas missas de domingo. Isto havia começado há mais ou menos 18 meses e estava piorando. As pessoas no começo quase não percebiam, mas ultimamente, já havia comentários das amigas e dos parentes próximos. Acima de tudo, ela própria, nitidamente, notava que a sua fala estava a cada dia pior. Coincidentemente, isto aconteceu após o casamento de seu último filho. A paciente já havia procurado um fonoaudiólogo que havia apontado como causa do problema da fala, a solidão em que a paciente se encontrava após a saída dos filhos de casa. Em função de tal diagnóstico, esta paciente havia sido enviada para uma psicóloga que a tratava havia uma ano. Quando ela chegou em meu consultório, e fizemos um exame acurado da motricidade oral, percebemos que, além da imprecisão articulatória, havia, também, uma imprecisão dos movimentos isolados dos órgãos fono articulatórios. Encaminhada para exame neurológico foi detectado um tumor cerebral. A paciente foi para cirurgia sendo tratada, posteriormente, das seqüelas de fala. A imprecisão de pontos articulatórios apresentada no exame inicial mais a história de aumento progressivo das dificuldades assim como a inabilidade em relação aos movimentos isolados alterados, são indicativos de que, muito provavelmente,
existe um problema neuromotor em curso. A habilidade de se fazer um diagnóstico precoce, nestes casos, pode salvar uma vida, ou levar a cirurgias menos extensas com menores sequelas. A fala, os movimentos orais, a deglutição e a voz de um indivíduo adulto, quando começam a se modificar sem causa física evidente, como a introdução de uma prótese, por exemplo, deve sempre nos levar para uma indicação precisa e rápida de exame neurológico.
P. n.º 10: Homem descendente de japoneses, de 50 anos, com a queixa de falar errado palavras com /l/ e /r/. Trabalhou durante 22 anos como caixa de banco. Algumas pessoas, em alguns momentos de sua vida, haviam comentado que ele trocava letras ao falar. Isto não teve nenhuma interferência durante sua juventude. No momento em que procurou ajuda isto tinha se tornado um peso pois, por falar errado, queriam colocá-lo em outra função dentro da empresa: qualquer função que não lidasse com o público. O mais interessante é que, embora as pessoas fizessem comentários a respeito de sua fala, ele não percebia e nem sabia, exatamente, o que era que errava. Ele nos contou que diziam que não sabia falar “cliente”, “problema”, e outras coisas assim. Não havia percebido, até aquele momento, a consistência da troca. Como muitos japoneses, ele fazia a clássica troca entre /l/ e /r/, ou vice versa uma vez que taís fonemas, não são diferenciados entre si e desta forma, qualquer um que se use, parece correto. A pergunta era “Por que só agora isto se tornara um problema? Seria um maior cuidado da empresa com o modo de falar de seus funcionários?”
Indo até a empresa para observar “in loco” o problema, tive a oportunidade de conversar com seus superiores. No banco trabalhavam muitos japoneses, ou descendentes de japoneses. Muitos outros funcionários apresentavam a troca em questão. Nosso paciente, de fato, sempre apresentou tal troca sem ser motivo de problema dentro da empresa. Recentemente, ele havia colocado uma prótese nova. Esta prótese era grande para sua boca e, acima de tudo, fez com que sua boca ficasse meio torta. O lado direito superior ficou mais alto que o esquerdo. O fato de a prótese ser, de certa forma, incômoda, levou-o a adquirir o hábito de sugar a saliva enquanto falava. A sucção aumentava a pressão interna da cavidade oral, ajudando a fixar melhor a prótese. Além desta sucção ele, naturalmente, diminuiu a velocidade de fala para segurar melhor a prótese. A troca dos sons era antiga, mas o ruído de sucção e a lentificação da fala eram aspectos novos, ajudando a salientar as trocas, antes menos definidas. Estes novos elementos em sua fala, associados à troca anterior, fizeram com que esta simples troca, comum até entre outros funcionários, ficasse mais evidenciada, tornando-se inaceitável frente ao público. Observem que um fonoaudiólogo menos avisado poderia, imediatamente, tratar da troca em si. Isto não era de
fato um problema dentro daquela população e nem a causa real do incomodo causado pelo seu modo de falar. Lembramos, ainda, que corrigir estes pequenos desvios fonéticos na idade adulta, quando não há perda significativa da inteligibilidade de fala, é bastante difícil. Aliás, corrigir não é tão difícil, mas automatizar novas formas de fala é complicado. Temos observado que existem poucas possibilidades de fixar novos padrões de fala em adultos. Neste caso, a colocação da prótese fez com que o indivíduo mudasse seu padrão de fala, de uma forma geral, e a troca original ficasse evidenciada. Somemos a isto uma nova política, introduzida no banco meses antes, na qual a apresentação física do espaço e a aparência de seus funcionários era uma das metas a ser alcançada como captação de novos clientes. Lembramos, ainda, que este paciente tinha 20 anos de casa e 50 anos de idade. De forma geral, pessoas com muitos anos de casa, e já mais idosas, tem seus hábitos enraizados e as mudanças são mais difíceis de serem absorvidas. A fala passou a ser uma razão concreta para a troca de cargo acontecer e, no seu lugar, ser colocado alguém com perfil mais jovial e dinâmico. Trabalhamos todos os aspectos detectados, incluindo uma nova prótese e a própria apresentação frente ao público. O desejo de permanecer no cargo, aliado ao desejo de mudar para melhor, levou este indivíduo a superar a crise. O mais interessante é que a sua comunicação mudou de uma forma geral, incluindo novas posturas, mudanças na voz , um maior cuidado com as palavras utilizadas e, até mesmo, com a roupa a ser utilizada no trabalho. É evidente que não eliminamos a troca. Ele aprendeu qual era esta troca, porque acontecia, como lidar com ela, e até a identificá-la nos seus colegas. Procurava não usar
palavras como “cliente” e se isto acontecia, estava consciente para, em situação controlada, emitir os grupos consonantais com /l/ e /r/ de forma correta. O que fez com que sua comunicação melhorasse, de uma forma geral, foi a compreensão do problema como um todo e, acima de tudo, a indicação de uma prótese correta. Tudo isto aliado a um novo homem, com novas perspectivas de vida no seu emprego, fizeram com que seus investimentos fossem reconhecidos pela chefia, garantindo sua permanência no cargo.
P. n.º 11: Mulher, de 76 anos, que veio até nós para dizer que não podia mais comer na mesa com seus filhos e netos. Bastante lúcida, e ainda trabalhando em correção de textos de português pois tinha sido revisora durante toda a vida, passou a viver um drama pessoal. Nos disse que era independente financeiramente e respeitada no mercado profissional, apesar da idade. Mas, durante as refeições, tinha dificuldades para engolir os alimentos, mesmo os mais moles (mudança esta, que ela havia se imposto para facilitar a deglutição). Ao comer, engasgava com freqüência e tinha que tossir. Isto fazia com que resíduos dos alimentos fossem expelidos pela sua boca e ela se envergonhava deste fato. Passou a comer menos e escolhia os alimentos. Tinha emagrecido, sempre se recusava a comer em locais públicos, como restaurantes, e até nas casas das noras. Estava se sentindo isolada do mundo, uma vez que sua família era de origem italiana e sempre havia os famosos almoços de domingo. Nossa paciente preferia chegar apenas para o horário das sobremesas. Após os exames clínicos de praxe, até uma videofluoroscopia, constatou-se que ela não apresentava nenhuma doença mais grave. Tinha apenas uma lentificação e uma leve incoordenação entre as fases da deglutição. Isto fazia com que sobrassem resíduos de alimento na valécula e nos seios piriformes. Estes resíduos, ao entrarem na via aérea, faziam com que ela engasgasse e tossisse, como reflexo de defesa. Passamos a ensiná-la como são as fases da deglutição e como ela poderia se defender destes engasgos. Orientamos a família, principalmente suas duas filhas, sobre o que ocorria com a mãe. Também mostramos como as melhoras poderiam ser rápidas. As modificações da deglutição podem ser normais porém se mudarmos alguns hábitos rotineiros podemos facilitar o ato de mastigar e deglutir, reintegrando este indivíduo no convívio familiar.

O que se pensar sobre estes casos.
Poderíamos seguir com inúmeros outros casos. Mas acredito que esses exemplos já nos mostram como quadros diferentes, que aparentemente nada têm a ver um com o outro, podem ter como causa uma única razão: alterações dos órgãos fono articulatórios. As razões destas alterações podem ser as mais diversas possíveis. Estes exemplos, também nos mostram muitas queixas, aparentemente simples, que não são significativas de forma geral, para os clínicos, passando como “bobagens” do paciente. Poucos são os clínicos que dão atenção a esses casos. A maior parte acha que o tempo solucionará, ou que o paciente se acostumará com o problema. Também entendem que, não sendo quadros tão graves, não necessitam de maiores atenções e muito menos de terapia. Dificultando, ainda a ação terapêutica destes casos, com problemas de motricidade oral, temos também aqueles fonoaudiólogos que, ao colocarem o paciente para tratamento, não sabem como resolver o caso, ou qual abordagem seguir. Ficam muito tempo com o paciente em terapia, não solucionam o problema e desmoralizam a fonoaudiologia frente aos outros profissionais. Aumentam, desta forma, a crença de que estes casos não precisam de terapia. Outros, ainda, por não conhecerem a anatomia e fisiologia dos órgãos fono articulatórios, e não saberem tratá-los, acham que isto não faz parte dos problemas da fonoaudiologia, encaminham esses pacientes para terapia psicológica, imaginando que estes acontecimentos são fruto de alterações emocionais. Observamos, ainda, que esses pacientes, ao procurarem médicos ou dentistas para se tratarem, não são ouvidos com atenção e suas queixas acabam sendo colocadas no rol da “normalidade”, ou seja por conta da velhice que vem chegando. Esta atitude é interessante porque, em geral, vamos ao médico por estarmos resfriados, com dor nas costas, porque apareceu uma pequena mancha no rosto, que ficou feio, e assim por diante. Ou seja, não é
só por problemas graves que procuramos ajuda. As coisas simples também nos levam a procurar tratamento médico. Qual a razão disto não ocorrer na fonoaudiologia? Será que a queixa só é importante quando atendemos crianças? Não se imagina que um adulto precise ou queira, por exemplo, melhorar sua fala? Ou será que o fonoaudiólogo não sabe que deveria estar preparado para cuidar desses assuntos? Às vezes observamos ainda, que pacientes após terem se submetido a muitos tratamentos e, já em fase adiantada da doença, procuram o fonoaudiólogo para ver o que é possível ser feito, uma vez que a medicina e ou a odontologia, esgotaram seus recursos e só sobramos nós. Refletir sobre estas questões pode levar a soluções, seja em casos simples ou complexos, melhorando a qualidade de vida do indivíduo que procura ajuda.
Nestes exemplos, extraídos do dia a dia da clínica, podemos detectar dois tipos básicos de causas que alteram a comunicação a partir de alterações do sistema sensório motor oral. Uma, a mais comum, está relacionada aos problemas dentários, seus tratamentos e resultados. A outra, um pouco mais grave, está relacionada aos problemas que afetam a deglutição.

Dentes

Com relação aos problemas dentários, seria desnecessário dizer que, para mastigar, precisamos de dentes devendo, os mesmos, estarem sadios e dispostos de forma regular. Há uma triste crença de que perder dentes com o avanço da idade é normal. Mesmo a partir desta errônea crença, verificamos que cada um de nós, quando perde seu primeiro dente, reage chorando. Por que isto ocorre? Apesar de acharmos que isto é normal, e que um dia vai acontecer, a perda do primeiro dente é marcante, pois significa em geral uma passagem. Marca-se, com esta perda, a passagem da juventude, que está terminando, para uma outra fase da vida, a velhice, que vem chegando. Por esta razão choramos de fato. Por sua vez, a perda do segundo elemento dentário já não é tão sentida. Vamos nos acostumando achando que perder dentes é normal, porque estamos envelhecendo. Enfim, não há outro caminho que não o da prótese. Rezamos para que este momento demore o máximo para chegar. Este envelhecimento precoce traz abalos emocionais, afetando a auto-estima. Socialmente, passamos a ser menos. Inicia-se, na vida do indivíduo, a era das próteses que podem ser parciais ou totais, fixas ou removíveis. Tudo vai depender da cultura, do quanto se tem de dinheiro para gastar com dentistas, do quanto valorizamos este aspecto, da capacidade do profissional que procuramos e até do nosso conhecimento sobre o assunto, incluindo aqui, as crenças. Os dentistas têm várias soluções para perdas de dentes. As mais comuns, e primeiras a serem usadas, são as próteses parciais removíveis. Estas são apoiadas em outros dentes. Este apoio acaba por abalar os elementos que a seguram, facilitando novas perdas. Assim, gradativamente chegamos à prótese total. Quanto menor o número de dentes naturais dentro da boca, mais difícil fica a contenção de próteses. A prótese, seja parcial ou total, leva à modificação das funções orais. Ao perdermos o último dente a prótese perde a sua fixação. Consequentemente, mudamos drasticamente nosso modo de falar, mastigar e engolir. Alguns pacientes relatam, inclusive, que sua performance sexual se modifica, perdendo em quantidade e qualidade. Uma prótese não deve machucar e, por isto não pode ser retentiva. Isto dificulta sua estabilidade. Os primeiros dentes que perdemos são, em geral, os
posteriores e isto faz com que haja diminuição da dimensão vertical posterior, além de haver a distalização da mandíbula, podendo, com isto, resultar em problemas das articulações temporo-mandibulares. Além destas modificações, para obter uma melhor fixação das próteses totais, o paciente muda a posição da cabeça. O deslocamento da cabeça, leva à mudança na posição do pescoço que, por sua vez, leva a modificações da coluna podendo causar problemas, dentre eles, o famoso bico de papagaio. Quem imagina que perdas dentárias possam causar tantas alterações? As mais visíveis são as alterações de mastigação e de fala, sendo que o que menos associamos às perdas dentárias são as dores nas costas, geradas por mal posicionamento de cabeça e pescoço. Estatisticamente perdemos, em primeiro lugar, o primeiro molar, justamente o primeiro a nascer. Como ele é um dente do fundo da boca, não se vê, o que nos dá um certo conforto. Vamos nos adaptando a estas perdas e, assim, sem perceber, vamos nos auto limitando, diminuindo cada vez mais o funcionamento adequado das funções exercidas pela boca, principalmente o falar e o comer. Tudo isto sem contar que o uso contínuo da prótese nos leva a perder osso e a retenção desta prótese passa a ser a cada dia menor. Enfim, a prótese é totalmente antifisiológica. O que fazer então? Perder os dentes e não usar nada no lugar? É claro que isto não é a solução. Precisamos saber mais sobre como manter os dentes na boca e não perde-los. Precisamos saber que não é nem um pouco normal perder dentes. O certo é terminar a vida com todas as peças dentárias na boca. O envelhecimento não traz perdas dentárias como causa natural. A educação sobre este assunto é fundamental. É necessário que todos os profissionais da saúde sejam informados no mínimo, sobre conhecimentos básicos de outras profissões para que possam orientar seus pacientes sobre o assunto. É importante sabermos que, se por infelicidade, perdermos algum elemento dental, ou existem soluções melhores do que as próteses removíveis. Existem próteses sobre implantes, que podem ser fixas, parciais ou totais. A prótese total removível, sobre implante, como não é apoiada sobre o osso remanescente e sim sobre os implantes tem, como vantagem, inibir a reabsorção óssea intensa. Além disto dá melhor possibilidade de fixação, melhor estabilidade articular, melhor estética, sendo que as funções orais podem ocorrer de forma mais harmônica. Só quando vemos a alegria e a felicidade, de quem volta a mastigar e falar melhor, sem o medo de que os dentes saltem da boca a qualquer
momento, como ao rir gostosamente, é que nos damos conta de como os dentes são importantes para o ser humano. Dentes na boca levam a uma melhor qualidade de vida. Os profissionais da saúde, sejam de que área for, ao tomarem conhecimento desta importância precisam se interessar mais em ajudarem seus pacientes a cuidarem melhor de seus dentes para mantê-los, de preferência, até o fim da vida. Caso isto não seja possível, podemos ajudar o paciente a escolher o melhor tipo de prótese para seu caso. Muitos dos problemas aqui relatados, têm a ver com perdas dentárias precoces, próteses mal feitas, mal cuidadas ou mal adaptadas. Identificar o problema é o básico. Reconhecer quando a prótese está inadequada é importante, mas saber como prevenir estas situações é o fundamental.

Deglutição

A segunda causa de alterações na vida do indivíduo, envolvendo problemas dos órgãos fono articulatórios, é a forma de engolir. A deglutição, pode se modificar por diversas causas desde o simples envelhecimento das estruturas envolvidas neste ato, até como conseqüência de diferentes doenças. É fundamental reconhecer quando a alteração encontrada faz parte do desgaste natural, o que é normal, e quando faz parte de algum processo patológico. Nem o paciente, nem seus parentes, e o pior de tudo, nem os profissionais de uma maneira geral, estão preparados para lidar com estas queixas, ou mesmo para reconhecerem suas causas. Se isto ocorresse, muitas doenças evolutivas poderiam ser detectadas precocemente e muito sofrimento, seja por doenças graves, ou apenas pelo envelhecimento natural das estruturas, seriam evitadas. As principais patologias nas quais podemos encontrar alterações na deglutição são: acidentes vasculares cerebrais (AVC), traumas crânio encefálicos e doenças neurológicas degenerativas como Esclerose Lateral Amiotrófica, Parkinson, Alzheimer, Demências Distrofia muscular, câncer de cabeça e pescoço, medicamentos que alteram a produção de saliva , entre outras. Quando a deglutição se altera, existindo riscos de aspiração ou de subnutrição, estamos
diante da disfagia. A disfagia não é uma doença, mas sim, um sintoma de que existe uma doença em curso. Às vezes, a disfagia é uma seqüela de um problema anterior, como no caso dos traumas encefálicos ou AVCs. Poderíamos dizer que qualquer dificuldade encontrada no processo de deglutição, ocorrida durante o transporte do alimento da boca até o estômago, pode ser chamada de disfagia. A disfagia compromete tanto a parte respiratória do indivíduo como a sua nutrição. Além disto, a dificuldade de deglutir cria problemas sociais pois a família isola do seu convívio o indivíduo que tem dificuldades para deglutir. A justificativa é a de que não é nada agradável comer com alguém que tosse o tempo todo, ou pigarreia durante as refeições, ou mesmo vive engasgando.
Deglutir é um ato tão natural, e rápido, que jamais pensamos nele de forma consciente. A deglutição se processa em quatro fases: a primeira fase, chamada preparatória, nada mais é do que a preparação do alimento para ser deglutido e é neste instante que os dentes terão uma enorme importância, pois esta fase, corresponde à mastigação propriamente dita. Num primeiro momento vamos cortar o alimento com os dentes anteriores. Levamos este alimento para os dentes posteriores que dão início ao processo de trituração e amassamento. Após o alimento estar transformado em um bolo coeso, será levado para trás, pela ação ondulatória da língua. Esta fase, onde o bolo caminha da parte anterior da boca até a oro faringe, é chamada de oral. Quando o bolo passa da boca para a faringe, iniciamos a fase faríngea e, em seguida, ao penetrar no esôfago, a fase esofágica. Em cada fase acontecem um número imenso de pequenas outras
açõ s que, quando não ocorrem de maneira correta e encadeada, podem levar ao engasgo e
até à aspiração com penetração do alimento na via aérea, levando à pneumonia. Os problemas mais importantes que podem acontecer durante a deglutição, quando nos tornamos mais velhos, são decorrentes de ações motoras mais lentificadas ou descoordenadas. Mas os dentes, por não serem cuidados de forma adequada, acabam tornando-se a causa principal dos distúrbios da deglutição. É normal, no envelhecimento, a diminuição da quantidade de saliva na boca, seja pela idade, seja por alguns tipos de medicamentos que passamos a ingerir. É normal, ainda, a lentificação dos processos de mastigar e engolir. Escolha de alimentos mais moles (quase sempre por problemas dentários), comer só uma refeição e à noite, um pequeno lanche, também são considerados hábitos normais dos idosos. O trânsito do bolo alimentar também se lentifica e, às vezes, pode estar discretamente descoordenado. Sobras de pequenas quantidades nos seios piriformes e um pouco de tosse, também fazem parte da normalidade ao envelhecer. Às vezes, até a aspiração, em pequenos níveis, pode ser considerada como normalidade. O que não é normal? Podemos considerar como indicativos de alterações problemas do tipo: boca muito seca ou a presença de baba; grandes dificuldades para mastigar; dificuldade de manter o alimento na boca; movimentos repetitivos e incoordenados da língua e da mandíbula durante a mastigação; ficar deglutindo várias vezes o mesmo alimento que foi colocado na boca; dificuldade para iniciar a deglutição; mudança da postura da cabeça no momento da deglutição; tosse e engasgos freqüentes; refluxo nasal; ficar constantemente asfixiado durante as refeições; muito cansaço para comer; sobrar restos de comida na boca após a refeição e não notar; pigarro, mal hálito; febres constantes; a voz ficar rouca logo após as refeições e a mudança nos hábitos alimentares, como a escolha de alimentos mais pastosos ou evitar comer. A estes sintomas chamamos de
disfagia, sendo necessário acompanhamento médico, e fonoaudiológico para reabilitar a função de deglutição. Tal reabilitação implica desenvolver novas formas de lidar com os alimentos, facilitando o ato de deglutir para evitar ou diminuir os engasgos e, consequentemente, os problemas deles decorrentes.

Enfim...

O fonoaudiólogo foi ensinado a trabalhar com grandes alterações e patologias consideradas graves. Pequenos problemas, coisas comuns de nosso dia a dia, não nos parecem importantes ou mesmo relevantes. Poucos de nós, sejamos fonoaudiólogos, médicos ou dentistas damos ouvidos para queixas como “não poder comer empadas”, “fazer barulho ao tomar café”, “não poder rezar mais a missa no púlpito em sua paróquia ou não poder comer mais à mesa com sua família”. Com tanta coisa importante acontecendo, quem iria se preocupar com estas bobagens? É claro que também sabemos que estes são problemas menores e que não são de risco para a vida. Mas, e quem os possui? Será que tais pessoas também acham que são problemas menores e que não merecem ser tratados? Será que estes problemas são sempre sem risco para a vida? Ou será que um engasgo aqui outro ali não poderiam levar a uma pneumonia que por sua vez, poderia provocar a morte do indivíduo? Mesmo que não leve a morte, a qualidade de vida deve ser sempre a melhor possível, e, se com ações simples nós podemos devolver a estes indivíduos uma melhor condição de vida, por que não fazê-lo? Conhecer o sistema sensório motor em profundidade, conhecer as pequenas variações entre os indivíduos, conhecer detalhadamente a musculatura, a inervação e a fisiologia é uma obrigação de todos os profissionais que trabalham nesta área. Este conhecimento pode-nos ajudar na solução de pequenos e grandes problemas. É de nossa responsabilidade divulgar, entre outros profissionais, estes conhecimentos e a possibilidade de tratar os problemas relacionados à motricidade oral. Os distúrbios da comunicação, gerados por alterações nos órgãos fono articulatórios são, em geral, de fácil tratamento e, quando bem cuidados, geram bem estar físico e emocional para os pacientes. A fonoaudiologia tem áreas específicas de conhecimento. Obviamente, nenhuma área deve ser compreendida isoladamente porém, o aprofundamento em cada uma destas áreas em muito nos auxilia na superação dos problemas com maior habilidade e rapidez.



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